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terça-feira, 13 de novembro de 2018

Pais presenciaram mortes dos filhos em Dom Avelar

Em prantos, a aposentada Creuza de Souza, 67 anos, mal aguentava o peso do corpo franzino. Mãe de nove filhos, ela presenciou a morte de dois deles, na porta de casa, na manhã desta segunda-feira (12), no bairro de Dom Avelar, em Salvador. 
A casa de número 20, na Rua dos Franciscanos, onde a aposentada mora há mais de 50 anos e criou os nove filhos, reuniu, na tarde desta segunda, além de familiares e vizinhos, dor e desejo de justiça pelas mortes dos mecânicos Marcos Antônio Cruz de Souza, 43, e Clóves Cruz de Souza, 49 - mortos a tiros. 

A tragédia, no entanto, poderia ter sido maior. Isso porque o caçula, Rodrigo Cruz de Souza, 35 - baleado três vezes -, foi socorrido às pressas para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde permanece internado. Ele passou por cirurgia de retirada das balas e, segundo a família, está em estado considerável estável.  
O crime, de acordo com parentes, foi motivado por uma briga com três irmãos - vizinhos da família há mais de 30 anos - ocorrida no sábado (10). São eles os também mecânicos Luís Carlos Menezes dos Santos, 26, Alan Silva Menezes dos Santos, 30, e Carlos Luís Menezes dos Santos, 22 - que, segundo a Polícia Civil, fugiram após o crime.  
Pai das vítimas, o aposentado Rosalino Ribeiro de Souza, 76, chegou a ser agredido por um dos suspeitos após tentar interceder pelos filhos. "Deram um murro em um idoso. Meu pai só tentou defender meu irmãos, mas eles mataram friamente", afirmou a auxiliar de serviços gerais Andreia Cruz, 39, irmã dos mortos.
Segundo o coordenador da 2ª Delegacia de Homicídios Central, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Guilherme Machado, responsável pelas investigações, Alan, Carlos e Luís são os principais suspeitos.
“Até o momento, o que apuramos, é que houve uma discussão entre eles, por causa de um furto, cometido pelo filho de uma das vítimas, ao estabelecimento de um dos autores, o Alan”, explicou Machado.
Desentendimento
Conforme Andreia Cruz, um de seus sobrinhos, um jovem de 22 anos, filho de Marcos, foi acusado por Alan, proprietário de uma oficina na mesma rua, de ter invadido o estabelecimento e roubado um objeto.
"Eles disseram que ele [sobrinho] roubou lá e bateram no menino. Bateram muito e ele precisou ser hospitalizado", contou a irmã das vítimas, acrescentando que Alan é conhecido por andar no bairro exibindo armas e se identificando como policial. 
Após o desentendimento, ainda de acordo com a tia do jovem, Marcos e Clóves sequer chegaram a tirar satisfação com os agressores.  "Justamente porque a gente ficou com o pé atrás. Por isso a gente não consegue entender, aceitar, o porquê de terem feito isso. Ninguém esperava", completou Andreia, aos prantos.
Até a tarde desta segunda-feira, o jovem agredido, segundo a tia, ainda não sabia da morte do pai. Ele está internado em um hospital da cidade. 
Luís Carlos, Alan e Carlos Luís são procurados pela polícia (Foto: Divulgação/SSP-BA)
Ataque
Diferente do irmão, o mecânico Clóves, já não morava mais na Rua dos Franciscanos. Era lá, no entanto, que passava a maior parte do tempo, ao lado de Marcos, com quem trabalhava junto há mais de 20 anos . 
De manhã, depois de passar na casa dos pais, tomar café e trocar de roupa, eles, então, seguiriam ao trabalho, a poucos passos dali. Antes disso, no entanto, foram surpreendidos pelos assassinos, que dispararam contra os três filhos de Creuza, sem dizer qualquer palavra.
O pai, Rosalino, chegou a ver os filhos serem mortos e nada pôde fazer. Agredido por um murro, como contou a filha, Andreia, o aposentado está à base de medicamentos.
 "As famílias sempre foram vizinhas e tinha uma relação boa. Eles [suspeitos] pediam coisas aos meninos [vítimas], meus irmão pediam coisas emprestadas a eles, e tudo era assim", comentou outra irmã dos mortos.
Sem se identificar, uma vizinha das famílias também afirmou que todos no local estão surpresos com o desfecho do desentendimento entre as famílias. A oficina das vítimas, vizinha à dos três irmãos suspeitos, era frequentada por Alan, Luís e Carlos.
"Estou em choque. A gente não consegue acreditar ainda como isso terminou desse jeito". Segundo a testemunha, que presenciou o duplo assassinato, os suspeitos, além de uma irmã deles, não foram mais vistos no local.
Último domingo
Filhos de uma grande família, os irmãos mortos eram pais de seis filhos. Marcos, de dois homens e Clóves, de quatro - todos adultos. O mecânico Clóves sequer comemorou os 49 anos recém completos neste domingo (11). Depois de passar a noite no hospital com o sobrinho agredido, ele até esteve na casa da mãe, mas demonstrou cansaço e não quis saber de festa.
A família, ainda assim, permaneceu até o final da noite na casa dos pais. Motorista de caminhão, Renildo Cruz de Souza, 51,foi o irmão que não esteva presente. Em Itabuna, no Sul do estado, ele recebeu por telefone a notícia da morte de dois irmãos e quase morte de outro. Imediatamente, retornou à capital.
"Eram era dois homens de família, dois trabalhadores. Eu não sei como aguentei dirigir até aqui, é uma dor muito, muito grande", disse, emocionado.
Primogênito dos filhos de dona Creuza, Renildo comentou que sente "uma dor enorme" por não ter se despedido dos irmãos. "Jamais poderia imaginar uma coisa assim acontecer no lugar onde nascemos e fomos criados", desabafou o motorista.
Última bênção
O agente financeiro Clóves Cruz de Souza Filho, 23, carrega não só o nome do pai, mas também as lembranças de seus últimos momentos ao lado de uma das vítimas, a quem se refere como o "maior exemplo da vida".
Clóves Filho, que também esteva na casa dos avós, junto aos tios e primos, contou à reportagem que sempre teve um relacionamento bom com o pai - separado de sua mãe há mais de dez anos.
"Era o meu exemplo. Era um homem honesto, a quem eu devo tudo. Porque ele sempre dizia: 'se eu não puder dar nada para vocês, eu vou fazer de tudo para dar estudo'. E foi o que ele fez por mim e meus irmãos", afirmou o agente financeiro, citando que os pais permaneceram amigos após o divórcio. 
Do último aniversário do pai, não comemorado, Filho lembra detalhes. O primeiro deles é de que Clóvis, a quem atribui a tranquilidade como principal característica, estava bem, embora não estivesse "tão feliz".
A segunda, última e mais importante lembrança, relata o filho, foi a bênção que recebeu ao estender a mão direita para o pai.  "Ele me olhou, beijou minha mãos e disse: 'Deus te abençoe, meu filho'". Até o final desta noite, a família ainda não tinha definido horário e local do enterro dos mecânicos.

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